“Não só ao poeta, mas também a
historiadores incumbe recuperar lágrimas e risos, desilusões e esperanças,
fracassos e vitórias, fruto de como os sujeitos viveram e pensaram sua própria
existência, forjando saídas na sobrevivência, gozando as alegrias da
solidariedade ou sucumbindo ao peso de forças adversas”. (VIEIRA, 2007, p.12)
Sabe-se que o teatro é considerado
arte clássica, um dos legados gregos herdados pela cultura ocidental. Criado como
manifestação religiosa, abordando assuntos espirituais e cívicos, logo
tornou-se arte lúdica com objetivo de divertir e conscientizar a sociedade. Mas,
somente no fim do século XIX em 1895, após avanço tecnológico gerado pela
Revolução Industrial e criação da fotografia (por Louis-Jacques Daguerre e Joseph NicéphoreNiepce); os
irmãos franceses Louis e Auguste Lumière criaram o Cinematógrafo (câmara de
filmar) recebendo o título de pais do cinema. Em 1903, o americano Edwin S. Porter apropriou-se dos
estilos: documentarista e de ficção dos irmãos Lumière, através do uso de
maquetes e truques ópticos; e dos efeitos
especiais teatrais de Georges Méliès, para produzir o filme de ação “GreatTrainRobbery”
(O grande roubo do trem). Essa produção cinematográfica contribuiu para popularização
e revolução do cinemana indústria cultural. Essa nova arte almejava divertir
o público e desenvolver intensa produção artística, em que misturaria a antiga
dramatização teatral com as novas técnicas gráficas. Assim, nasceu o cinema que
hoje faz parte da vida urbana do homem moderno.
Partindo da Europa, resgataremos um
pouco da história e da memória do cinema do Vale do Paraíba, especificamente da
cidade de Guaratinguetá. Cidade outrora conhecida como Atenas do Vale, por ser
protagonista da educação e da cultura valeparaibana; incentivadora e pioneira
de várias manifestações artísticas na região. Os jovens que acreditam que
Guaratinguetá dispôs de cinema somente após a instalação do shopping, estão muito
enganados. Onze anos depois da criação dos irmãos Lumière na Europa o cinema
chegou às cidades interioranas de São Paulo. De
início, o cinematógrafo era itinerante e posteriormente instalado no Theatro
Municipal de Guaratinguetá em 1903, iniciando as primeiras
apresentações.
O primeiro cinema estabelecido na cidade
foi inaugurado em 12 de outubro de 1907 na rua Monsenhor Filippo. Propriedade
do empresário João Augusto de Souza Arantes, o Parque Cinema, foi instalado em um vasto terreno de uma antiga
fábrica de macarrão. Esse Parque não contava somente com o cinema, mas também com
uma vasta área verde, com jogos e brinquedos infantis; espaço lúdico para toda família.
O Parque Cinema possuía um projetor francês e orquestra própria, formada por
músicos da cidade. Depois de várias sessões (diárias) às 20h e matinês aos
domingos, o Parque
Cinema encerrou suas
atividades na década de 1930. Em 1910, foi inaugurado o segundo teatro da
cidade. O Cinema Homero Ottoni, propriedade da empresa Monteiro & Carvalho.
Cinema elegante e confortável, considerado como
“a melhor casa de diversão do Norte de São Paulo”. O cinema localizava-se à
esquina da rua da Estação com a rua Comendador João Galvão.
Propriedade
da empresa Marotta & Carvalho Ltda, O
Cine Teatro Central foi inaugurado
em 16 de outubro de 1924. Com arquitetura moderna com belas construções
internas e externas, situava-se no centro da cidade, na esquina da praça
Conselheiro Rodrigues Alves com a rua José Bonifácio. Além de apresentações de
filmes clássicos, o espaço do Cinema Central foi palco de apresentações de
artes cênicas de grandes companhias nacionais, de formaturas, bailes e eventos
políticos. Após sessenta e dois anos, em 28 de agosto de 1986 o Cine Central
encerra seus espetáculos, cedendo seu espaço para o comércio, fato ocorrido com
grande parte dos cinemas da cidade de Guaratinguetá.
Na
antiga residência da família de Joaquim Vilela de Oliveira Marcondes, ex
prefeito municipal, instalou-se o Cine Urânio em 14 de março de 1946,
propriedade da empresa Marotta. Localizado à esquina da praça Conselheiro
Rodrigues Alves com a rua São Francisco (atual Riachuelo). Cine Teatro considerado
moderno e luxuoso, com capacidade para 1500 lugares; projetado pelo engenheiro
e arquiteto Vicente Del Mônaco. Matéria de primeira página do jornal Correio
Paulista sob o título: “Inaugurado o maior cinema do Vale”. O Cine Urânio
marcou momentos importantes na cidade de Guaratinguetá, como: formaturas, shows
musicais e artísticos, apresentação da Orquestra Sinfônica Brasileira e
palestras de intelectuais. Entretanto, encerrou suas atividades em 11 de março
de 1984. O prédio foi demolido em 1986, no local construíram novo
estabelecimento comercial. Afinal, a arte e o entretenimento não geram tanta
riqueza quanto o consumismo.
Em
25 e dezembro de 1953, com o filme ‘Às
mil e uma noites’ inaugurasse o Cine Colonial localizado no bairro
do pedregulho, anteriormente chamado de Guarani e/ou Ipiranga e atualmente
recebe o nome de Vivarte. Esse cinema teve seus altos e baixos, por ser fechado
durante alguns períodos. Hoje funciona como teatro da cidade e proporciona
espetáculos de música, artes cênicas e dança, organizados pela secretaria de
cultura de Guaratinguetá, pela
juventude e artistas da cidade. E Quem disse que nos bairros periféricos não
havia cinema? Apaixonado por cinema, João Batista Aguiar mais conhecido como
João Vaca, em 15 de março de 1960, na rua Frei Henrique de Coimbra, no bairro
da Nova Guará, inaugura o Cine Sideral. Com 150
lugares e máquina projetora francesa, exibia sessão às 8 horas. Por falta de
peças, manutenção dos equipamentos e a alta concorrência da TV, em 1980 o Cine
Sideral suspende suas exibições. Segundo o historiador e jornalista da cidade
Francisco Fortes,
“Como se pode observar, Guaratinguetá sempre teve uma
ativa e intensa vida cinematográfica. Por muitos anos, o lazer diário foi
centralizado pelos cinemas e marcado ainda pela presença de um “Clube de Cinema
de Guaratinguetá” que, em 1965, já promovia um “curso de iniciação ao cinema””.
Portanto, com o surgimento e o avanço
da arte cinematográfica após a revolução industrial inglesa, foi possível
através dos irmãos Lumière e outros cientistas aprimorarem essa nova técnica
artística. No entanto, podemos destacar o mesmo avanço industrial, tecnicista,
capitalista e consumista, como prejudicial para arte e cultura cinematográfica.
Podemos citar um exemplo em nossa cidade, os antigos cinemas foram substituídos
por estabelecimentos comerciais. As salas de cinemas esvaziaram-se após a
concorrência da TV e do vídeo cassete. E hoje, possuímos apenas um cinema na
cidade de Guaratinguetá, instalado no Shopping (local de intenso consumo). Sabemos
o quanto o cinema cresceu desde o seu nascimento no século XIX. Mas questiono!!! Se o cinema cresceu por
motivações artístico-culturais ou motivações comerciais. Aproveito para
questionar as autoridades da cidade sobre a reforma e o futuro do Theatro
Municipal de Guaratinguetá. A população carece de mais investimento em arte e
cultura em nossa cidade, estamos de olho.
FOTOGRAFIAS: Arquivo Museu Frei Galvão