Mergulhada nos lençóis da minha
cama e afogada em minha profunda insônia, eu me revirava sem parar de um lado
para o outro. Eu lutava contra meus pensamentos à procura de uma migalha de
sono, mas nada, cada vez mais insônia eu encontrava.
Eu escutei uma voz vinda da rua e
barulho no enferrujem do portão, era uma voz baixa e melancólica que tentava em
seu engasgo de choro, chamar pelo nome de minha mãe. Ao escutar, sem hesitar,
saltei da cama, e senti o ar frio tomar conta do meu corpo, mas a curiosidade e
o medo eram tanto que nada fiz; percebi que eu não era a única a escutar aquela
voz, meu pai também saltou da cama e foi abrir a porta que dava para a rua, e
um susto lhe fez arregalar os olhos, eram meus parentes. Deparei-me com o relógio
que marcava quatro horas da madrugada, olhei pela fresta da porta e vi minha
tia, sem hesitar, corri e chamei minha mãe, que assustada se levantou e eu
disse que havia acontecido alguma coisa, e nós duas nos dirigimos para à porta
da sala e demos de cara com minha tia em prantos, ela abraçou minha mãe e
disse: -irmã, a mãe morreu! Essas palavras ecoaram nos meus ouvidos e eu as
repeti: - Minha avó morreu!
Meu corpo deslizava pela parede até
encontrar o chão, permaneci ali alguns minutos, que pareceram uma eternidade,
em prantos e imóvel. Meu pai me levantou do chão e me despertou da névoa dos
meus pensamentos, um som terrível de choro e gritos invadiram meus ouvidos
quase me ensurdecendo, corri para o meu quarto, peguei um casaco e joguei por
cima do pijama, para proteger meu corpo daquela manha fria, que seria o velório
da minha tão amada vozinha. Em profundo silêncio abracei minha mãe e entrei no
carro; o rosto desolado dos meus pais e o rostinho confuso e triste do meu
irmão caçula me entristecia profundamente.
Descendo do carro percebi que o
velório era em um lugar simples. No caminho longo até a porta, várias pessoas
me abordaram, me abraçaram, mas eu nem se quer respondia. Ao chegar a porta vi
o caixão parado no centro da sala e cheio de coroas de flores em volta e várias
pessoas abraçadas e chorando. Enfim, dei meu primeiro passo rumo ao caixão, mas
minhas pernas estavam pesadas, parecia estar com pedras amarradas, dificultando
o meu percurso. Na verdade é que meu subconsciente não queria ver minha avó
ali, naquela situação, mas meu ego precisava ter certeza desse acontecimento.
Meus olhos mergulhados em lágrimas fixaram naquela aterrorizante imagem de um
caixão, me senti naquele momento protagonista de um filme de horror. Cada passo
que eu dava meu coração acelerava, quando cheguei em frente ao caixão eu vi a
pior imagem que meus olhos já captaram e uma cena que jamais sairia da minha
mente. Minha avó, minha linda e amada segunda mãe, envolvida por rosas e
vestida com a roupa da Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, suas delicadas
mãos enrugadas pela idade pousadas sobre o peito com um terço preso entre os
dedos, seus cabelos claro como a neve, penteados, os olhos nus, sem seus
óculos, e sua pele com uma essência que se misturava com das flores. Coloquei-me
ao seu lado, delicadamente pousei minha mão sobre a sua e aproximei meus lábios
de sua testa enrugada, dando-lhe um beijo de carinho e respeito, então percebi
que ela estava muito pálida e fria. Fiquei alguns instantes fitando-a,
lembrando de nossas vidas juntas e pedindo perdão pelas minhas faltas e
rebeldias, foi então que percebi que ela já não estava ali e olhei para a
imagem na parede de Jesus na cruz, e com o gesto do sinal da cruz, pedi para
Ele que recebesse e protegesse essa sua filha tão amada.
Uma mão delicadamente me afastou do
caixão, e um homem pagou a tampa escura e fechou a minha avó naquela escuridão,
e ela mergulhou naquele profundo crepúsculo. Parecia que ele havia acabado de
retirar uma lasca do meu coração. Todos nós como uma procissão fomos até a cova
onde o corpo de minha avó iria se decompor. Mesmo sabendo que ela já não estava
ali, mas estava no céu ao lado de Deus, a dor era dilacerante e me corroía por
dentro. O caixão começou a se emergir naquela cova e quando ele já estava
inserido nela, eu joguei uma rosa e os homens começaram a jogar terra sobre o
caixão. Então meu coração encheu-se de fúria e meu corpo tentou partir para
cima daqueles homens para impedi-los, mas uma mão me segurava, impossibilitando
minha fuga. Eu fiquei ali parada vendo a cova ficar toda coberta de terra.
Quando esse terror acabou, eu cai de joelhos na terra vermelha do chão do
cemitério, abaixei a cabeça, sentindo o vento fazer meus longos cabelos voarem,
cravei meus dedos naquela terra à procura de um consolo que se perdia no sopro
do vento.
Rafaela Molina