HISTÓRIA REGIONAL E CONSCIÊNCIA HISTÓRICA
Perspectivas
Metodológicas para a Didática da HistórIA
PAIVA. Rafaela Molina de[1]
PROBST, Melissa[2]
RESUMO
Diante dos desafios acerca do ensino de história e
da formação da Consciência Histórica do aluno, propomos a utilização da teoria
da História Regional como base metodológica da Didática da História,
objetivando o estudo e a pesquisa acerca da formação da Consciência Histórica,
dentro e fora da sala de aula. Nessa perspectiva, a micro-abordagem da História
Regional ganha destaque como metodologia do ensino de história, considerada uma
forte ferramenta para a formação da identidade do aluno e aperfeiçoamento da
sua Consciência Histórica. Considerando algumas perspectivas teóricas e conceituais
da Ciência Histórica como, a História Regional, a Didática da História e a
Consciência Histórica busca-se apresentar e desenvolver alguns caminhos
metodológicos que possibilitem a formação e o aperfeiçoamento da Consciência
Histórica do aluno, através da utilização da micro-abordagem da História
Regional, e tendo por base o conceito alemão Geschichtsdidaktik, que significa uma Didática da História
subordinada a Ciência Histórica, ao invés de submetida à Educação. Pretendemos,
portanto, apresentar através deste artigo, alguns autores e teorias discutidas
por historiadores e educadores, acerca do ensino de história significativo e
formador da Consciência Histórica dos indivíduos.
Palavras-chave:
História Regional. Consciência histórica. Didática da história.
1. INTRODUÇÃO
A História ensinada nas
escolas possui caráter teórico, o que a leva ao distanciamento da realidade dos
alunos. Mas de que maneira o professor deve agir noprocesso de
ensino-aprendizagem em sala de aula e fora dela. Nossa proposta é trabalhar com
a teoria da História Regional, na formação e aperfeiçoamento da Consciência
Histórica. A partir disso, se faz o questionamento: Será possível a teoria da
História tornar-se prática e fazer sentido para a realidade dos alunos? Pode-se
esperar que os alunos aprendam história, sem que compreendam a própria
história?
As crianças entram na escola
com sua Consciência Histórica inicial, passam pelo ensino fundamental e médio,
estudando história, disciplina na qual aprendem história geral e do Brasil. No
entanto, a história regional, essa mais próxima dos alunos e que faz parte de
seu contexto e realidade, é pouco abordada, pois não pois não está incluída nosmateriais
pré-estabelecidos e unificadores de conhecimento- apostila e livro didático.
Por isso a importância do professor ser pesquisador, para que domine a prática
de pesquisa da história regional, fazendo com que esse conhecimento científico
e historiográfico se transforme em um conhecimento escolar, dando sentido ao
ensino de história e trabalhando no aperfeiçoamento da Consciência Histórica do
aluno.
As histórias que fazem parte
dos locais e regiões em que se vive, têm tanta importância quanto as histórias
nacional e internacional, trabalhadas na disciplina escolar. Portanto, é
interessante utilizar a pesquisa histórico-regional, como ferramenta
metodológica de ensino-aprendizagem em sala de aula, para uma maior compreensão
dos fatos históricos e da dinâmica histórica, para a formação da consciência
histórica e crítica do aluno.
No entanto parte-se do pressuposto de que os
professores de História, assim como o currículo do Ensino Básico de São Paulo
ainda valorizam pouco as pesquisas e abordagens acerca da História Regional
como teoria e metodologia no processo de Ensino e Aprendizagem nas disciplinas
de História. Destaca-se que a História Regional pode ser uma eficiente
ferramenta para formação e aperfeiçoamento da consciência histórica do aluno.
Esse trabalho procura,
assim, reunir reflexões acerca do Ensino de História, com fundamento nas
teorias da Didática da História, tendo como teoria norteadora a História
Regional, objetivando o estudo acerca da formação e aperfeiçoamento da
Consciência Histórica.
2. História Regional: Uma abordagem historiográfica
em sala de aula.
Para iniciar essa discussão
acerca da História Regional, considera-se necessário compreender a definição do
conceito regional. Segundo o
dicionário, região é uma “Área com características próprias que a
destacam de outras áreas. Pode ser parte de uma cidade, um município, um
estado, uma província ou do mundo”. Para uma melhor compreensão do regional, precisamos recorrer
a ciência “irmã” da história, a geografia, uma ciência que se firma em
constante relação com a ciência histórica, uma vez que a história acontece em
um espaço geográfico, lugar onde a sociedade está em constante movimento. A
ciência geográfica define região comoespaços delimitados segundo suas
características naturais e sociais, com interesse de planejamento, estudos e
intervenções administrativas. Podemos definir a abordagem historiográfica da
História Regional tomando como referência a Marcos Lobato Martins (2009. p.143), que em seu artigo História Regional, apresenta as seguintes considerações:
História Regional é aquela que toma o espaço como terreno de
estudo, que enxerga as dinâmicas históricas no espaço e através do espaço,
obrigando o historiador a lidar com processos de diferenciação de áreas. A
História Regional é a que vê o lugar, a região e o território como natureza da
sociedade e da história, e não apenas como o palco imóvel onde a vida acontece.
Ela é História Econômica, Social, Demográfica, Cultural, Política e etc.[...]
Na verdade, a História Regional constitui uma abordagem específica, uma
proposta de estudo da experiência de grupos sociais historicamente vinculados a
uma base territorial.
Portanto
a História Regional não deve ser entendida como contraponto da História Nacional,
mas como um ponto de partida e complementação desta. A história nacional acaba
tendo uma visão generalizadora da história e da sociedade. E é essa visão que a
História Regional é capaz de superar. E ainda de acordo com Circe Bittencourt (2008, p.161):
A história regional passou a ser valorizada em virtude da
possibilidade de fornecimento de explicações na configuração, transformação e
representação social do espaço nacional, uma vez que a historiografia nacional
ressalta as semelhanças, enquanto a regional trata das diferenças e da multiplicidade.
A história regional proporciona, na dimensão do estudo do singular, um
aprofundamento do conhecimento sobre a história nacional, ao estabelecer
relações entre as situações históricas diversas que constituem a nação.
Então
entende-se que a macro abordagem da história gera a homogeneização das
culturas, dos pensamentos, dos sentimentos, dos desejos, do agir dos homens,
dos grandes acontecimentos e da criação de heróis, tendo como objetivo a
legitimação da ideologia hegemônica das classes dominantes, em detrimento das
classes subalternas, destacando as semelhanças do povo, ao invés de priorizar
as diferenças culturais, que enriquecem a história.
[...]a partir dos
séculos XV e XVI, as barreiras espaciais começaram a ser progressivamente
destruídas, promovendo o desencravamento de muitas regiões. A irradiação
planetária do domínio europeu fez surgir a “verdadeira história universal” e
colocou as escalas nacional e internacional no topo das preocupações dos
historiadores. A expansão da modernidade, do Estado, do capitalismo e das
filosofias universalistas (típicas do Renascimento e do Iluminismo) tentou pôr
fim às singularidades e autonomias das antigas regiões. O ataque à
independência da fortaleza regional é o trabalho continuo da modernidade. ( MARTINS,
2009, p.143.)
Contudo,
a micro abordagem permeia um novo caminho para a história regional, sendo
relevante destacar as singularidades culturais, étnicas e sociais, aproximando
a história do homem no seu espaço geográfico, social e cultural, onde sua
história acontece e faz parte do grande enredo nacional. A abordagem estudada
apresenta o regional e o local como foco da vida de grupos e indivíduos.
A
valorização dessa heterogeneidade possibilita o fim das discriminações e
intolerâncias étnicas e culturais, colocando em destaque os povos menos
favorecidos e que vivem à margem da história política nacional. No entanto, a
história regional não abandona a abordagem política, predominante da
historiografia tradicional positivista, mas inclui em seus estudos as
abordagens social, econômica e cultural, e busca valorizar a integridade do
homem social e o seu “quintal”, colocando-o como agente histórico e contribuindo
com a formação da consciência histórica deste.
Por
isso essa abordagem se torna importante no processo de ensino e aprendizagem em
sala de aula, pois poderá formar a consciência histórica do aluno, aproximando
essa ciência (história) de sua realidade. Como ressaltam as autoras Maria do
Rosário Cunha Peixoto, Maria do Pilar de Araújo Viera e Yara Maria AunKhoury
(2007, p.12), em seu livro A pesquisa em
história, ao utilizarem a citação de Gullar (1999),
A história humana não se desenrola apenas nos campos de
batalha e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais
entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos
prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas.
Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e
humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma
traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta as pessoas e as
coisas que não têm voz.(GULLAR, 1999, p. 07 apud PILLAR, 2007.)
E as autoras complementam,
Não só ao poeta, mas também a historiadores incumbe recuperar
lágrimas e risos, desilusões e esperanças, fracassos e vitórias, fruto de como
os sujeitos viveram e pensaram sua própria existência, forjando saídas na
sobrevivência, gozando as alegrias da solidariedade ou sucumbindo ao peso de
forças adversas. (VIEIRA, 2007, p.12)
Cabe
aos historiadores não somente tratar da história dos vencedores, mas também dos
vencidos, e, nesse aspecto, as novas abordagens têm colaborado, pois é com
estas que se fez possível a compreensão da sociedade.
E
isso só foi possível com o processo historiográfico que surgiu na França em
1929, em torno de uma revista de historiadores e cientistas sociais, que
conquistou o mundo acadêmico com a sua História
Nova. Referimo-nos a Escola dos Annales, que a partir de um movimento
científico inovador, em torno da revista Annales
d’HistoireEconomique et Sociale, sugeriu novas teorias, metodologias, temas
e fontes, acerca da pesquisa histórica. Fundada por LucienFebvre e Marc Bloch,
a Escola dos Annales redefiniu os
rumos da pesquisa histórica e conquistou grande prestígio na França e em todo
mundo acadêmico. Os historiadores annalistes,
como passaram a ser chamados,
influenciaram decisivamente o modo como se produz história no
resto do mundo, propondo novos objetos, e mesmo antigos objetos e procedimentos
metodológicos à luz de abordagens teóricas inovadoras. (VASCONCELOS, 2009,
p.54)
Apesar
deste trabalho não se tratar de uma pesquisa historiográfica acerca da Escola
dos Annales, é importante fazer uma
breve apresentação desta, que foi a percussora da História Regional. A Escola
dos Annales representou uma crítica à
escola tradicional positivista e procurou superá-la. A chamada História Nova veio renovar as antigas
concepções positivistas de história e apresentar ao mundo uma nova abordagem da
pesquisa histórica, a História-Problema. Marcada
também pela sua interdisciplinaridade, aqui a história dialoga com outras
ciências humanas, como a geografia, sociologia, filosofia e psicologia. Ela
também dilui a importância do sujeito individual como agente histórico, dando
maior importância às questões impessoais, como o econômico, o social e o
cultural. Ou seja, para a História Nova
as grandes mudanças da sociedade não acontecem através de um indivíduo ou
somente da política, mas sim, através do meio social, econômico e cultural, e
das ações coletivas de todos os homens, de todos os tempos. Porém o espaço da
História Regional como conhecemos hoje é de meados da década de 1970 como
afirma Bittencourt (2008, p.161)
[...]a
pesquisa de história regional a partir de 1970 cresceu bastante em razão do
esgotamento das macroabordagens, que enfatizavam as análises mais gerais e não
se detinham nos estudos mais particulares que melhor indicavam as diferenças da
história recente do País. (BITTENCOURT, 2008, p. 161)
Como
podemos perceber, a Escola dos Annales
colaborou bastante com as mudanças no campo da história, introduzindo novos
temas, novas abordagens, novas fontes de pesquisa e enriquecendo as
metodologias. Essa historiografia representou uma mudança de percepção
histórica e, talvez o seu maior feito, tenha sido a substituição da narração
positivista pela história problematizante. E é justamente essa visão
científica, de pesquisa e ensino, que propomos ser utilizada em sala de aula
como base teórica das práticas metodológicas de ensino. Tendo por base essa
teoria, da micro abordagem da história regional, os professores poderão
desenvolver eficazes metodologias de ensino, capazes de alcançar nosso
objetivo, que trata-se da formação da consciência histórica do aluno.
Portanto,
cabe aos professores ocuparem também a função de pesquisadores, de modo que se
tornem capazes de desenvolver metodologias eficazes no ensino de história, afim
de promover a importância da pesquisa regional e local no aprendizado do aluno,
do ensino fundamental II. E para reafirmar a importância da História Regional
como teoria e metodologia, recorreremos aos Parâmetros Curriculares Nacionais-
PCN.
O
PCN de História consolida a importância da introdução dos conceitos básicos do
ensino de história, como o conceito de tempo/espaço histórico, ainda nas séries
iniciais da alfabetização e do ensino fundamentale no aprofundamento desses
conceitos durante o ensino médio. O ensino da História Local/Regional se
encontra como proposta, durante o ensino fundamental I e II. Contudo, o que gostaríamos
de destacar neste trabalhoé a importância do ensino da História Local/Regional,
não como uma proposta de ensino-aprendizagem, mas sim, como uma das principais ferramentas
metodológicas de ensino, em todos os níveis da educação básica, especialmente
durante o ensino fundamental I e II. Percebemos a necessidade de uma maior
valorização e utilização desse método, de ensino e de pesquisa, pelos
professores e educadores em geral,uma vez que, tais propostas são encontradas
no PCN de história.
Algumas das propostas [do PCN] visam também alterar a
organização dos círculos concêntricos pela introdução de uma concepção de
história local ou de “história do lugar” que procura estabelecer articulações
entre o mais próximo (ou o vivido do aluno) e a história nacional, regional e
geral ou mundial. [...]a preocupação maior, na atualidade, é estabelecer
articulações constantes, nas diferentes séries, entre local, o nacional e o
geral. (BITTENCOURT,
2008, p.113)
Ou
seja, acreditamos que a educação brasileira precisa ter uma maior preocupação
com a articulação entre o nacional, o regional e o local para o fortalecimento
da formação da identidade do indivíduo.
Um dos objetivos centrais do ensino de História, na
atualidade, relaciona-se à sua contribuição na constituição de identidades. A
identidade nacional, nessa perspectiva, é uma das identidades a serem
constituídas pela História nas escolas, mas, por outro lado, enfrenta ainda o
desafio de ser entendida em suas relações com o local e o mundial. (BITTENCOURT, 2008, p.121)
3.
A Importância da História Regional no ensino para a construção da identidade do
aluno.
Vivemos em uma era
tecnológica e globalizada, onde o individualismo é cada vez maior e a todo
momento consumimos informações vindas de todos os cantos do planeta. O mundo
está cada vez mais homogêneo, as pessoas compartilham pensamentos e ideais cada
vez mais parecidos e as culturas estão perdendo suas particularidades. Como
afirma Martins (2009,
p.138)“É verdade que a
globalização afeta cada quilômetro quadrado da superfície terrestre, aumentando
a pressão sobre as culturas tradicionais e sobre as regiões”.
Nesse contexto, aumenta a
preocupação dos intelectuais e especialmente dos professores de História em
relação a Identidade, como usar a
disciplina de História como ferramental para construção da identidade social do
aluno em sala de aula, através de pesquisas sobre História Regional.
Essa
tendência de as pessoas buscarem raízes, fontes de identidade e segurança
psicológica, mobilizando elementos do espaço sócio histórico, aumenta a
responsabilidade dos profissionais da História, ao mesmo tempo em que estimula
a produção de estudos históricos regionais e locais e valoriza a abordagem
regional em sala de aula. (MARTINS, 2009. p.140)
Uma das maiores funções
exercidas pela História Regional é de aproximar o conteúdo histórico e científico
do aluno, trabalhar a história a partir da realidade do discente, fazendo com
que ele se sinta parte do processo histórico, como protagonista, e que
compreenda as dinâmicas históricas das vivências humanas, partindo da micro
abordagem- História Regional, para a macro abordagem- História Nacional. Os
alunos, assim como todos os indivíduos, como afirma Martins:
almejam
conhecer e reconhecer o espaço onde vivem, pertencer a ele e apropriar-se dele,
na medida exata em que participam das redes de significados e sentidos que a
vida ali gera, no decurso da história. (MARTINS, 2009. p.139)
Outros fatores importantes
trabalhados em conjunto com a História Regional, são a consciência e a memória
pois são elas as responsáveis pela construção da identidade cultural e social.
Segundo Thompson, “Recordar a própria
vida é fundamental para o nosso sentimento de identidade”.
Será nesse processo de
estudo do regional e da identidade social do aluno que iremos trabalhar com
metodologias da Didática da História capazes de fundamentar e auxiliar as aulas
de história na formação de sua Consciência Histórica, fazendo com que perceba e
signifique o processo histórico e seus elementos fundamentais: o tempo, o
espaço, as mudanças, as permanências e as fontes. Aprendendo os conceitos,
contextos e dinâmicas da história. Assim, tornando o aluno um agente social consciente,
observador, científico e problematizador da história, principalmente da
realidade na qual está inserido, que faz parte do seu contexto, da sua vida e
da sua formação.
Apresentamos aqui um
trabalho desafiador aos professores, os quais terão a responsabilidade de
organizaros conteúdos e suas metodologias, tornando seu ensino socialmente
significativo, capaz de superar a homogeneização da sociedade globalizada.
4. Consciência
Histórica: Formação e Aperfeiçoamento
Estamos vivendo em meio a um
grande movimento social em torno do conhecimento histórico, que envolve
conteúdos digitais, mídias, cinema, financiamento de pesquisas, editoras de
livros, formação de professores, entre outros. Diante dessa realidade
assistemática e mundial, os profissionais que atuam na produção e divulgação do
conhecimento históricose deparam com um desafio, de investigar e conceituar o
processo de formação e aperfeiçoamento do conhecimento histórico, especialmente
através de pesquisas acadêmicas e do ensino escolar. Nesse sentido, devemos
encarar a Consciência Histórica como uma problemática atual da história. Como
se concretiza a formação da Consciência Histórica? Há uma Consciência Histórica
primitiva e outra crítica? É possível dividir essa Consciência em fases? Ela é
inerente ao homem ou uma meta a ser alcançada? Qual o sentido, enfim, do não
desprezível investimento social que existe hoje em torno da história [...]. Muitos
são os questionamentos acerca do conceito apresentado e as divergências entre
os cientistas da história e da filosofia. Por isso iremos seguir a corrente da
ciência Didática da História, que se caracteriza por ser uma ciência dentro da
ciência histórica, e fazer uma breve apresentação das proposições e teorias de
cientistas como Hans-Georg Gadamer, John Rüsen, Agnes Heller, Marc Ferro, entre
outros, baseando-nos na pesquisa de Luis Fernando Cerri.
Considera-se que seja
imprescindível a esse trabalho a compreensão de que a Consciência Histórica
ultrapassa os muros da sala de aula.Esta consciência é um fenômeno social que
tem a escola por instituição que trabalha o aprimoramento dessa capacidade, que
é natural ao homem social. Esse fenômeno é entendido como uma das expressões da existência humana. O historiador Luis
Fernando Cerri (2015. p.96), nos apresenta um questionamento pertinente, um primeiro aspecto da discussão a
considerar é se a Consciência Histórica é um fenômeno inerente à existência
humana ou se é uma característica específica de uma parcela da humanidade, uma
meta ou estado a ser alcançado. E é neste ponto que se depara com as
divergências dos pesquisadores. Na visão do filósofo Gadamer, a Consciência
Histórica é uma meta ou um estágio a ser alcançado, mas isso só será possível
ao homem contemporâneo ou moderno, que tenha passado pelo processo histórico da
modernização.
Contudo, essa visão de
Gadamer (2006) pode ser considerada excludente; pois ela exclui a Consciência
Histórica dos homens do passado, que não vivenciaram o processo de
modernização, ou dos homens da atualidade, que vivem à margem da sociedade e
são resistentes à modernização. Para ele os períodos da história, a localização
geográfica e as classes sociais são determinantes na formação da Consciência
Histórica. Como afirma Gadamer:
O aparecimento de uma
tomada de consciência histórica constitui provavelmente a mais importante
revolução pela qual passamos desde o início da época moderna. (...) A
consciência histórica que caracteriza o homem contemporâneo é um privilégio,
talvez mesmo um fardo que jamais se impôs a nenhuma geração anterior. (...)
Entendemos por consciência histórica o privilégio do homem moderno deter plena
consciência da historicidade de todo o presente e da relatividade de toda
opinião. (GADAMER in CERRI, 2015. p.97)
Percebe-se a importância da
Consciência Histórica na atualidade, uma vez que os processos históricos
“Modernização e Globalização” foram alguns dos responsáveis pela homogeneização
das culturas e histórias, prejudicando a formação indenitária do indivíduo e
dificultando a formação da consciência histórica do homem. É neste ponto que a
educação precisa exercer sua função de formação e aperfeiçoamento da identidade
social e consciência histórica do aluno.
Para a historiadora e
filósofa Agnes Heller, a Consciência Histórica é inerente ao homem, natural do
ser humano. Para ela a Consciência Histórica é composta de estágios: criação de
normas de convivência, em substituição do instinto; significação e
identificação do grupo enquanto humanidade; concepção do mundo como histórico,
percepção e comparação de outras culturas, em espaços e tempos diferentes. O
historiador e filósofo JörnRüsen apresenta a Consciência Histórica como prática
natural e universalmente humana. O homem age intencionalmente e, através de seu
diálogo com a natureza, com os outros homens e consigo mesmo, passa a
interpretar e significar o mundo, significar o tempo. Para Rüsen (2001) o que
varia são as perspectivas de atribuição de sentido à experiência temporal. Na
definição do autor, a consciência histórica é um fenômeno do mundo vital,
imediatamente ligada com a prática (CERRI, 2015, p.100).É
neste ponto que tanto Heller quanto Rüsen contrapõem-se à teoria de Gadamer,
pois, para eles a Consciência Histórica é natural à existência humana,
independente da classe social, do tempo histórico, da localização geográfica ou
do processo de modernização.
Neste ponto, tanto
Heller quanto Rüsen advogam que o pensar historicamente é um fenômeno antes de
mais nada cotidiano e inerente à condição humana, com o que pode-se inferir que
o pensamento histórico vinculado a uma prática disciplinar no âmbito do
conhecimento acadêmico não é uma forma qualitativamente diferente de enfocar a
humanidade no tempo, mas sim uma perspectiva mais complexa e especializada de
uma atitude que, na origem, é cotidiana e inseparavelmente ligada ao fato de
estar no mundo. A base do pensamento histórico, portanto, antes de ser cultural
ou opcional, é natural: nascimento, vida, morte, juventude, velhice, são as
balizas que oferecem aos seres humanos a noção do tempo e de sua passagem.
(CERRI, 2015, p.100)
O historiador francês Marc
Ferro traz uma contribuição importante para o presente estudo em torno do
conceito de Consciência Histórica. Marc Ferro apresenta a ideia de
multiplicidade de “focos da consciência histórica”, onde defende a existência
de vários focos culturais e institucionais de consciência histórica,
abandonando a ideia da existência de apenas uma consciência histórica social,
levando em consideração tanto a história oficial/política, quanto a
“contra-história”.
A Consciência Histórica,
além de vital e inerentea existência humana, pode também ser uma grande “arma”
de dominação ideológica. O indivíduo pode ter uma formação generalizadora da
Consciência Histórica, produzida pela classe dominante, em detrimento das
identidades múltiplas e particulares dos diferentes grupos sociais. De modo que
a articulação dos elementos da consciência histórica torna-se arma no campo de
batalha de definição dos rumos da coletividade(CERRI, 2015, p.100)E por isso,
esse conceito e prática, precisa de atenção especial por parte dos
profissionais da história, de um maior aprofundamento de pesquisas acadêmicas,além
de melhor e maior organização e articulação da educação básica para contribuir
na formação e aperfeiçoamento de uma Consciência Histórica crítica, analítica e
interpretativa, fugindo da relação poder-tradição, onde a tradição é
apresentada por Rüsen, como a “pré-história” da Consciência Histórica, sendo
genérica e anterior a experiência e interpretação.
O ensino de história ou
conhecimento histórico transcende a escola e a sala de aula, e passa a ter uma
função social, com a necessidade de perpetuação e significação do grupo.Por
isso a necessidade do aprimoramento de uma Consciência Histórica já existente
na sociedade, no ser humano, uma consciência que se encontranos alunos quando
chegam ao espaço escolar, que precisa ser trabalhada, aperfeiçoada, com
objetivos libertários, formadores de identidade, com caráter heterogêneo e
significativo na historicidade e cotidiano do aluno. Um fenômeno vital,
inerente, mutável, que tem importância social, cultural e política, e, portanto,
precisa ser constantemente articulado.
(...) o que nos
conduz para a conclusão de que a formação histórica dos alunos depende apenas
em parte da escola, e que precisamos considerar com interessa cada vez maior o
papel dos meios de comunicação de massa, da família e do meio imediato em que o
aluno vive se quisermos alcançar a relação entre a história ensinada e a
consciência histórica dos alunos (CERRI, 2015, p.107).
Precisa-se ser discutido nas academias e
escolaso uso social do ensino de história,
e começar a pensar o
ensino de história institucionalizado como um fenômeno social de longa duração,
cujas motivações e cuja lógica não estão limitadas às discussões contemporâneas
sobre objetivos, conteúdos e métodos para a disciplina. (CERRI, 2015, p.110)
Entende-se, então, existira
necessidade de diminuir possíveis limitaçõesexistentes no ensino de história, com
o desenvolvimento, pelos professores de uma prática de pesquisa, precisam
tratar a pesquisa em Didática da História como uma necessidade social, que vai
além dos muros da escola e transcende a relação aluno-professor. Sendo assim, o
profissional da história tem uma responsabilidade social com a cultura
histórica e a consciência histórica.
5. Didática da História- Geschichtsdidaktik: Significando a História
“A
discussão sobre consciência histórica coloca-nos diante da necessidade de dar
continuação à proposição de Klaus Bergmann e de JörnRüsen, entre outros
autores, de uma didática da história” (CERRI, 2015, p.109). A Didática da
História- Geschichtsdidaktik- é
considerada pelos alemães como uma ciência interna a Ciência Histórica. Segundo
Rüsen, por causa da diferença qualitativa existente entre a história-ciência e
história-escolar, precisa-se de uma disciplina científica específica que se
ocupe do ensino e da aprendizagem da história.Essa nova ciência didática seria
uma subárea da História, ao invés de ser subordinada à educação, como é
entendido no Brasil. Nesta vertente, a Didática da História deixa de ser
entendida como facilitadora da transmissão do saber erudito ao saber escolar,
ou como colecionadora de métodos usados em sala de aula. “Na proposição de Bergmann, a metodologia do ensino da história
torna-se apenas uma das preocupações da didática da história”.
“Nesse
sentido [a Didática da História] se preocupa com a formação, o conteúdo e os
efeitos da consciência histórica”(CERRI, 2015, p.110), ou seja, essa ciência
estuda, ao mesmo tempo que faz parte, da Cultura Histórica, a qual engloba a
formação da consciência histórica, não restritamente em sala de aula, mas ao
meio em que o aluno e o professor vivem e têm acesso: meios de comunicação-
redes sociais, mídias, cinema; meio familiar; religioso, entre outras
instituições. A Didática da História se atém ao estudo da dinâmica social, que
constitui o processo histórico, a formação da cultura histórica e a modificação
da consciência histórica.
Tanto a Consciência
Histórica quanto a Cultura Histórica, são objetos de estudo e pesquisa dos
historiadores da Didática da História. Mas qual a diferença entre esses dois
conceitos? A primeira, é interna, subjetiva e natural ao individuo. Enquanto a
segunda, é externa, objetiva e fenômeno do cotidiano. “A cultura histórica é a forma de expressão da consciência
histórica”. (CARDOSO, 2015, p. 158)
A Didática da História
possui três fases: A teórica, a empírica e a pragmática. Portanto, caracteriza-se
por ser uma ciência teórica e prática.O professor/pesquisador Oldimar Cardoso
apresenta a prática da Didática da História, como “pesquisa de campo
didático-histórico”. “Portanto, o lugar da
pesquisa de campo didático-histórica é o cotidiano das aulas de História ou de
qualquer espaço de expressão da cultura ou da consciência históricas” (CARDOSO,
2015, p. 162).
Nesta perspectiva, cabe
propor a iniciativa metodológica da teoria da História Regional como fundamento
e método de pesquisa de campo didático-histórico. A discussão acerca do
conceito Consciência Histórica levou alguns historiadores a propor
conceituações e significados, e alguns deles foram: C.H. como identidade e
memória coletiva, e C.H. como sistematização dos conceitos históricos- Passado,
presente, futuro- e de seus elementos- comparação, investigação, periodização,
relação, criticidade, temporalidade histórica, entre outros.
Com isso, percebe-se a
existência de duas fases da C.H., a primeira é a consciência inerente ao homem
e natural, que forma a identidade e a memória coletiva, precisa ser
aperfeiçoada para que o indivíduo consiga alcançar a segunda fase da
consciência histórica, fase de sistematização e criticidade. E para que esse
processo contínuo de formação da Consciência Histórica ocorra positivamente,
propomos e destacamos a colaboração da teoria da História Regional na formação
e aperfeiçoamento da Consciência Histórica do aluno. Essa teoria trabalhada em
sala de aula como método de pesquisa (regional), facilitará a compreensão do
aluno sobre os conceitos e sistematizações formativos da Consciência Histórica
e da Cultura Histórica, uma vez que esta metodologia de estudo e pesquisa
regional permitirá a aproximação História-Aluno ou Conteúdo programático-Realidade
do aluno. Defende-se aqui, pois, a união entre a História Regional e a Didática
da História, com o objetivo de melhor trabalhar a formação e o aperfeiçoamento
da Consciência Histórica do aluno em sala de aula, e fora dela.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acredita-se que esse
trabalho poderá contribuir com uma visão diferenciada sobre a ciência histórica
e a educação histórica brasileira. Levando em consideração os desafios e a
desvalorização da educação histórica e de sua disciplinariedade, tanto na
escola, quanto na sociedade. Considerando algumas perspectivas teóricas e
conceituais da Ciência Histórica como a História Regional, a Didática da
História e a Consciência Histórica busca-se apresentar e desenvolver alguns
caminhos metodológicos que possibilitem a formação e o aperfeiçoamento da
Consciência Histórica do aluno, através da utilização da micro-abordagem da
História Regional, e tendo por base o conceito alemão Geschichtsdidaktik, que significa uma Didática da História
subordinada a Ciência Histórica, ao invés de submetida à Educação, como
acontece no Brasil.
Procuramos definir e
conceituar o Regional, e apresentar a historiografia responsável por esta
abordagem histórica e sua adaptação ao PCN. Em seguida, nos preocupamos com a
formação da Identidade do aluno e sobre as várias teorias e dialéticas
existentes a respeito da Consciência Histórica. E para concluir, apresentamos a
ciência Didática da História, uma ciência interna à Ciência Histórica, que pode
auxiliar na compreensão acerca da formação social e escolar da Consciência
Histórica do aluno.
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT.
Circe Maria Fernandes. Ensino de
História: fundamentos e métodos. São Paulo: Editora Cortez, 2005.
BRASIL.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Parâmetros nacionais de
qualidade para terceiros e quartos ciclos do ensino fundamental - História.
Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica: Brasília (DF), 2006.
CARDOSO.
Oldimar. Para uma definição de Didática
da História. Disponível em: <http://www.scielo.br/>Acesso em
13 de fev. 2015
CERRI.
Luis Fernando, Os conceitos de consciência
histórica e os desafios da didática da história. Disponível em: <http://www.revistas2.uepg.br>. Acesso em 5 de fev. 2015.
___________________.
Regionalismo e Ensino de História.Disponível em:
VASCONCELOS.
José Antonio. Fundamentos
Epistemológicos da História. Curitiba: Editora IBPEX, 2009.
VIEIRA.
Maria do Pilar de Araújo e outros. A
pesquisa em história. 5.ed. São Paulo: ática, 2007.
[1]Licenciada em História pelo Centro
Universitário Salesiano de São Paulo – Campus
São Joaquim. Especialista em Metodologia do Ensino de História e Geografia da Universidade
Internacional- UNINTER. Pós-graduanda em Formação Docente para o Ensino Superior- Centro Universitário Salesiano de São Paulo- UNISAL.
[2]Orientadora. Mestre em Educação pela
Universidade Regional de Blumenau (FURB) e doutoranda em Educação pela Universidade
Tuiuti do Paraná (UTP).
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